quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Seriguela Madura


Ela era uma mulher de cerca de 40 anos, corpo bem desenhado. Uma coroa com tudo em cima, como se diz por aí, melhor do que muita menininha de 20 que tem hoje em dia. Passava sempre em traje de trabalho, mas que denotavam bem suas qualidades físicas e seus belos atributos curvilíneos. Nunca passava acompanhada, a não ser de si mesma. Aliás, ela estava sempre muito bem acompanhada de si mesma.

Todo dia ela passava por aquela esquina e nunca o notava. Mas ele sempre esteve ali. Sentado num banquinho de madeira velho, gasto pelo tempo. Com seu boné virado para trás e sua barba sempre por fazer. Ele estava sempre ali, com suas havaianas brancas que de tão encardidas pareciam ser bege. Ele usava quase sempre uma bermuda jeans, com um rasgo na perna esquerda, também provocado pela velhice do tecido. Ação do tempo. Tudo é tempo.

Quando não estava com sua bermuda jeans surrada, usava bermudas do estilo surfista, mas todas também com aspecto de velhas, não eram sujas, e sim velhas. Ele estava lá todos os dias, e por mais que ele mudasse as camisetas diariamente, ela não o notava.

Talvez pela pressa com que sempre passava ali, pois sempre que passava o sinal estava quase abrindo, e ela quase sempre corria para atravessar a rua, sem olhar muito pros lados. Talvez porque passava sempre com o seu somzinho ligado e o seu fone de ouvido potente fazia com que o som penetrasse o seu cérebro, desconectando-a do mundo ao redor e trancando-a em seu próprio estúdio, onde ouvia cada música como se estivesse num show particular. Ou ainda porque talvez ela simplesmente nunca o tinha notado mesmo. Assim, sem mais, simplesmente porque não notou. Vai ver ela não era de notar ninguém mesmo. Simplesmente saía de casa, fazia o que tinha de fazer e voltava. E voltava quase sempre tão cansada que também na volta não tinha o menor ânimo de perceber ninguém que a olhasse, mesmo que todos os dias isso se repetisse. É, ‘da repetição se faz a comédia’, já dizia alguém que esqueci agora. E realmente parecia comédia aquela situação.

Todo dia ele inventava coisas para chamar a atenção dela. Um dia comprou uma camisa verde-cana. Noutro dia foi com uma rosa-choque. Num outro dia usou um alto-falante para vender. Pintou o cabelo de vermelho. Deixou a barba crescer. Usou roupa nova. Trocou a bermuda velha. Foi trabalhar de sapato. Comprou uma corrente de prata. Tirou a camisa. Cortou o cabelo. Raspou a barba. Quase tira a bermuda. Nada funcionava. Ela simplesmente não o olhava. E não era por maldade. Apenas não olhava. Nem ele, nem ela e nem eu mesmo sabia porque ela nunca o percebera.

Os dias passaram, choveu, fez sol, nublou, trovejou, o sol voltou, ventou, as folhas caíram, e foi num dia assim, em que as folhas caíam, que ela simplesmente o notou. Assim, como num piscar d’olhos, como que se acordasse de uma sessão de hipnose, assim, de repente, ela o viu.

Era apenas uma tarde comum na vida dele. Ele continuava lá, sentado no seu banquinho velho de madeira gasta pelo tempo, com sua bermuda jeans rasgada, sua havaiana branca encardida quase bege, seu boné pra trás e sua barba por fazer, quando ela chegou.

- Boa tarde.

Ele se virou. Estava entretido conversando com o colega chaveiro que tem uma barraca ao lado da sua banca.

- Boa tarde freguesa.

Respondeu no automático, ainda se virando. Parou. Seus olhos cresceram. Encheram-se de um brilho intenso que ele jamais achou que se encheriam. Ficou quieto. Não conseguia disfarçar. Sua mão tremeu, suas pernas suaram por dentro da bermuda quente. Sentiu um frio percorrer todos os poros do seu corpo, seguindo-se de um arrepio que deixou todos, eu disse todos, os fios de cabelo do seu corpo em pé.

- Nossa, seriguela! Nunca pensei em ver seriguela aqui!
- Nem eu. Nunca pensei em vê-la aqui.
- Ham?
- Digo, ver a seriguela aqui.

Ela sorriu. Ele desengonçado tentou não demonstrar. Ela gostou. Ele não acreditou.

- Quanto custa?
- Nada!
- Como?
- Quer dizer, por que a senhora não leva umas pra experimentar primeiro, se gostar aí pode comprar.
- Sério?
- Sim.
- Você faz isso sempre?
- Não, não. Mas como é a primeira vez que temos a senhora, digo, a seriguela aqui na minha humilde banca.
- Tudo bem!
- Tudo bem?
- Sim. Já entendi.
- Já entendeu?
- Sim. Eu aceito.
- Aceita?
- Sim, aceito.
- E quer hoje?
- Sim, agora.
- Agora?
- Sim, não pode ser agora?
- Claro que pode. A hora que a senhora quiser.
- Então se for agora vai ser ótimo.
- Sim, só se for agora.
- Mas tem uma coisa.
- Claro, uma coisa. Que coisa?
- Eu só vou querer se você parar de me chamar de senhora.
- Ah! Me desculpe, é que eu não sabia se você era casada ou não, então não quis parecer desrespeitoso.
- Não sou casada.
- Ufa.
- Não se preocupe.
- Que ótimo.
- Ótimo?
- É.
- O quê?
- A seriguela. A seriguela está realmente uma delícia.
Ele tenta disfarçar comendo uma seriguela desajeitado.
- É, está com uma aparência ótima.
- Você notou?
- Sim, claro. Deve estar no ponto.
- Sim. Está no ponto.
- Hummm. Deve estar uma delícia.
- Madura assim, com certeza é uma delícia.
- Você gosta de comer as maduras?
- Ô, se gosto.
- E você come muito?
- Ô, se como.
- Não enjoa não?
- De jeito nenhum.
- Não prefere as menos maduras?
- Sabe que não?
- Mas elas também são boas.
- Sim, são. Mas o suco das maduras é bem mais gostoso.
- Você acha?
- Ô, se acho.
- Sabe que eu gosto muito quando é assim ‘de vez’.
- Ah é?
- É.
- E por quê?
- Gosto quando é mais dura.
- Ah é?
- Sim.
- É, está mesmo mais dura.
- Ta vendo?
- Ô, se tô.
- Mais dura é melhor pra saborear.
- É?
- Sim. Eu acho.
- Que bom então.
- Por quê?
- Por nada.
- Ah! Fala.
- Melhor não.
- Tem mais durinhas aí?
- Ô, se tenho.
- Adoro quando é dura.
- Bom saber.
- Vai esconder de mim é?
- O quê?
- Ué, as duras que você falou que tinha.
- Se você quiser, posso mostrar.
- Mas claro que quero.
- Mas é que não posso agora.
- Hum, você ta escondendo o jogo hein rapaz.
- É que vou preparar umas bem duras para você.
- Hum. Que delícia.
- Vai ser.
- Vamos fazer assim. Eu vou levar as madurinhas agora.
- Sim.
- Mais tarde quando você tiver preparado as mais duras, você leva pra mim.
- Ô, se levo.
- Eu moro ali no 305.
- Eu sei.
- Sabe?
- Modo de dizer.
- Então pronto, vou fazer um suco da madura para você beber quando for.
- Adoro o suco da madura.
- E quando você chegar eu chupo as mais duras.
- Com certeza.
- Então ta. To esperando lá.
- Pode esperar.

Ela sai. Ele fica sem acreditar. Porém nos seus olhos se vêem as imagens que irão acontecer logo mais.
Ela se vira, andando, e grita:

- Vê se não fura hein.

Ele sacode a cabeça fazendo sinal de sim e respondendo baixo:

- Ô, se furo!

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