segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Trecho do Conto: "Só"


"... Com o tempo aquela história de cuidar de mim foi ficando cada vez mais forte. O carinho comigo mesmo só crescia e eu, de repente, descobri o prazer de me namorar.

Agora eu também era o meu namorado, a minha namorada, o meu marido, a minha mulher.

A minha relação comigo mesmo foi ficando cada vez mais intensa, mais forte, mais pura nos sentimentos e muito, muito mais carnal, mais promíscua.

Eu era meu próprio prazer, meu próprio amante. Eu era quem eu mais amava e quem eu mais queria. Quem mais me desejava e quem mais me queria.

Com o passar dos dias, eu pude viver níveis de intimidade comigo mesmo, que jamais poderia imaginar. Intimidades que ultrapassam a moral humana.

Eu sabia tudo de mim. O que me acendia, o que me gelava, o que não eu queria, o que eu clamava, o que me deixava sem ar, no ar.

Então eu descobri que na verdade essa relação sempre existiu. Eu era casado comigo mesmo. Sempre fui. E esse tempo me fez redescobrir o quanto eu era importante pra mim. Era como fosse uma lua-de-mel e eu gozava plenamente tudo isso.

Claro que com o tempo, a minha auto-relação-amorosa, foi tomando um caráter mais sério, e eu fui descobrindo alguns defeitos em mim mesmo que não me agradavam nem de longe.

Aquela história: ‘Dá dinheiro, mas não dá intimidade’. Intimidade é foda mesmo, quanto mais se tem, mais difícil fica. A gente começa a sacar tudo, a ler nas entrelinhas, a adivinhar o pensamento, perceber os sinais corporais, e claro, enxergar os defeitos.

Eu tinha muitos defeitos. Eu não gostava de lavar os pratos, por exemplo. Isso me incomodava muito. Então eu me forçava a lavar os pratos e ficava nervoso comigo mesmo quando me forçava a lavá-los. Claro que os defeitos não se resumem a lavar os pratos, apenas é um exemplo de como os defeitos e as cobranças me deixaram um pouco frio comigo mesmo.

Muitas vezes eu queria ficar só. Não queria ficar comigo mesmo. Queria estar longe de tudo, até de mim. Mais aí eu vinha, colocava uma música e de repente, lá eu estava eu, me seduzindo, fazendo cafuné na minha própria cabeça e me abraçando com meus próprios braços.

Eu não prestava. Não me deixava escapar. Quando pensava que não, lá estava eu. Me conquistando novamente. Me fazendo sentir necessidade de estar comigo mesmo.

Eu era a minha prisão e a minha liberdade. Era a minha doença e a minha cura..."

7 comentários:

Anônimo disse...

belo,
incrível como vc está cada vez melhor. adorei!
beijo

Gabriel Lima (Bill) disse...

a finalização ficou ótima!!!
tdo a ver com o conto!

. disse...

Gabriel...
Esse é só um trecho...
O conto continua depois daí...
Estará por inteiro no livro...
O final ainda é mais surpreendente!!!
Cheiro =]

Ricardo Ayade

Gabriel Lima (Bill) disse...

livroooo??
massa!
eu quero!!!
qdo sai?

. disse...

Oi Gabriel...

Obrigado pelo interesse...
O livro deve sair no fim do ano!!!
Colocarei as informações aqui no blog... é só continuar ligado!!!

Cheiro =]

Ricardo Ayade

Anônimo disse...

Muito interessante!
Acho que todos nós temos um pouco dessa auto-relação, mas acho que poucos tem a sensibilidade ou mesmo a entrega desgarrada do que entendo por "amálgama peculiar do nosso âmago". Acrescento, a descoberta dos nossos "eus".

Unknown disse...

Entao, !@!identificação!@!Estou a caminhar por esses trilhos!@!