domingo, 23 de novembro de 2008

Feliz-Mediocridade


Esse é apenas mais um

Desabafo

Dessa alma cansada de poeta

Quase vencido

Não quero ser

Não quero ter

Quero viver

Um dia

Cada vez

Sem ter na mente

Problemas maiores

Que a minha estatura

Não consigo

Tenho sempre

Que de alguma forma

Pensar, pensar, pensar.

Antecipar coisas

Que jamais acontecerão.

Um dia isso acaba

Um dia me liberto

Desse peso poesia

Porque é certo

Que qualquer um

Ao admirar a obra do poeta

Não sabe

Nem talvez

Nunca saberá

Admirar a sua dor

Nem jamais sentirá

Dor igual ou semelhante.

Viva aos medíocres!

Afinal

Mediocridade

Sempre rimou

Com felicidade.

sábado, 8 de novembro de 2008

Trecho do Conto: "Pão com Margarina"


"... Maga, como era chamada por suas amigas da mesma idade, se agradou muitíssimo da idéia de casar-se com um homem um pouco mais velho que ela, ao contrário do que vemos em filmes de época, nos quais as mocinhas virgens sempre têm um amor impossível com um rapaz de sua idade, geralmente pobre, mas com um topete cheio de gel, jaqueta e calça jeans sensualmente apertada, bonito e que dança rock ‘n roll freneticamente. O que Maga queria era casar-se. Claro que Waldomiro seu pretendente também não era de se jogar fora. Médico recém-formado, era sim muito bem afeiçoado, gentil, galanteador e endinheirado. Sorte assim poderia não bater à sua porta uma segunda vez, anos depois, quando tudo já estivesse mais flácido em seu corpo. Era assim que Maga pensava e também por isso decidiu casar-se logo, pois tinha medo de perder essa oportunidade que ela julgava ser uma oportunidade de ouro, e também por isso antecipou a ‘lua de mel’ forçando Waldomiro a antecipar o casamento para limpar a sua honra que só ela e ele sabiam ter sido manchada.

Claro que o motivo de Maga não havia sido exclusivamente esse. Ela tinha um fogo fora do comum. Era espevitada como se diz no interior. Tinha fogo nas lambujas. Queimava que nem brasa, ardia que nem queimadura, era fogo aquela menina e tinha a quem puxar.

Sua mãe, dona Margarida já tinha por volta dos seus 30 anos quando teve Maguinha, era assim que ela carinhosamente chamava Margarina. Casou-se tarde, é verdade, isso porque seu pai, senhor Bartolomeu, avô de Maguinha, a obrigara a casar apenas depois do casamento de sua irmã mais velha, que se chamava Merendina e era tia de Maguinha. O nome de Maguinha, inclusive seria Merendina Sobrinha, em homenagem à sua tia que finalmente havia se casado e liberado sua irmã para casar-se também. Sim porque uma semana após o casamento de Merendina, Margarida casou-se e em exatos 9 meses depois do casamento Maguinha veio ao mundo. Porém, Merendina não achou justa a homenagem, já que Margarida havia esperado sofríveis 8 anos de noivado por sua causa e pediu a irmã que dividisse a homenagem e colocasse o nome da menina em homenagem às duas. E foi então que tiveram a brilhante idéia de..."

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Trecho do Conto: "Só"


"... Com o tempo aquela história de cuidar de mim foi ficando cada vez mais forte. O carinho comigo mesmo só crescia e eu, de repente, descobri o prazer de me namorar.

Agora eu também era o meu namorado, a minha namorada, o meu marido, a minha mulher.

A minha relação comigo mesmo foi ficando cada vez mais intensa, mais forte, mais pura nos sentimentos e muito, muito mais carnal, mais promíscua.

Eu era meu próprio prazer, meu próprio amante. Eu era quem eu mais amava e quem eu mais queria. Quem mais me desejava e quem mais me queria.

Com o passar dos dias, eu pude viver níveis de intimidade comigo mesmo, que jamais poderia imaginar. Intimidades que ultrapassam a moral humana.

Eu sabia tudo de mim. O que me acendia, o que me gelava, o que não eu queria, o que eu clamava, o que me deixava sem ar, no ar.

Então eu descobri que na verdade essa relação sempre existiu. Eu era casado comigo mesmo. Sempre fui. E esse tempo me fez redescobrir o quanto eu era importante pra mim. Era como fosse uma lua-de-mel e eu gozava plenamente tudo isso.

Claro que com o tempo, a minha auto-relação-amorosa, foi tomando um caráter mais sério, e eu fui descobrindo alguns defeitos em mim mesmo que não me agradavam nem de longe.

Aquela história: ‘Dá dinheiro, mas não dá intimidade’. Intimidade é foda mesmo, quanto mais se tem, mais difícil fica. A gente começa a sacar tudo, a ler nas entrelinhas, a adivinhar o pensamento, perceber os sinais corporais, e claro, enxergar os defeitos.

Eu tinha muitos defeitos. Eu não gostava de lavar os pratos, por exemplo. Isso me incomodava muito. Então eu me forçava a lavar os pratos e ficava nervoso comigo mesmo quando me forçava a lavá-los. Claro que os defeitos não se resumem a lavar os pratos, apenas é um exemplo de como os defeitos e as cobranças me deixaram um pouco frio comigo mesmo.

Muitas vezes eu queria ficar só. Não queria ficar comigo mesmo. Queria estar longe de tudo, até de mim. Mais aí eu vinha, colocava uma música e de repente, lá eu estava eu, me seduzindo, fazendo cafuné na minha própria cabeça e me abraçando com meus próprios braços.

Eu não prestava. Não me deixava escapar. Quando pensava que não, lá estava eu. Me conquistando novamente. Me fazendo sentir necessidade de estar comigo mesmo.

Eu era a minha prisão e a minha liberdade. Era a minha doença e a minha cura..."